O auditório estava lotado de pessoas que haviam se inscrito para assistir ao talk-show. Todos aplaudiram de pé a entrada do famoso apresentador franzino e elegante. Ele fez algumas brincadeiras com a platéia e, depois, anunciou seu convidado da noite:
- Ele largou a vida de executivo bem sucedido para virar dono de pastelaria, ganhando, hoje, dez vezes menos o salário anterior. Nós vamos falar com o Sr. Odimar Lopes.
A platéia, apesar do espanto e das risadinhas paralelas, aplaudiu o homem como era de praxe naquele programa, mas a verdade era que os risos serviam com uma máscara que escondia as chacotas e pré-julgamentos de todos que lá estavam. Seria difícil entender o que teria levado um homem culto e educado a fazer uma escolha tão infeliz. Odimar caminhou até o apresentador apertando sua mão com firmeza e sentou-se no sofá, encarando, pela primeira vez, as dezenas de "juízes" afoitos para proferir a sentença que o condenaria. Voltou os olhos ao franzino apresentador quando ele começou a falar:
- Odimar, quando soube do seu caso, eu pensei em como poderíamos iniciar essa nossa entrevista de hoje, porém, é impossível fugir de uma pergunta simples e direta: Por que essa mudança tão radical?
Odimar abriu um leve sorriso. Já havia ouvido essa pergunta milhares de vezes. Tantas, que já tinha desenvolvido uma resposta intrigante que deixava todos perplexos.
- Simples. Porque até Papai Noel tira férias de vez em quando.
A platéia riu sem entender bem a razão. Talvez aquele senhor fosse louco. Um maluco saído do manicômio direto para ali. O apresentador fez uma cara de surpresa, deixando claras as dúvidas de que conversar com aquele homem teria sido a melhor escolha. Tinha a opção de conhecer a estória da mulher que ensinara um pequeno urso selvagem a escrever nossa língua, para estar ali com Odimar. Alguém na sua produção pagaria caro por isso. Odimar, vendo a cara de interrogação do homem à sua frente, antecipou-se na explicação.
- Parece loucura mas não é. Deixe-me explicar. Alguns anos atrás, meu filho, ainda com sete anos, veio passar o natal comigo. Havia me separado da minha ex-esposa quando ele tinha dois anos de idade, e queria participar mais da vida dele. trabalhava muito e pouco o via. Quando a gente se encontrava, normalmente o encontro era interrompido por algum problema profissional urgente. Perdia aniversários, páscoas, natais, feriados, tudo. Resolvi que precisava ficar mais com ele, e pedi a minha ex-esposa que me deixasse passar o natal com nosso filho naquele ano. Ela relutou, mas cedeu. Sabia qual seria o desejo de Saulo. Levou o garoto até a casa dos avós, meus pais, pois seria lá a ceia. Claro que tive uma série de imprevistos de última hora para resolver, e acabei chegando tarde para vê-lo. Alguns minutos depois, na hora dos presentes, lembrei que havia esquecido completamente de lhe comprar algo. Na minha família, nunca tivemos a tradição de trocar presentes no Natal. Quando ele veio me perguntar onde estava Papai Noel, respondi que ele havia tirado férias, por isso não tinha aparecido. Só alguns meses depois, ao ter que cancelar uma pequena viagem que faríamos juntos por causa do trabalho, percebi como o que eu havia lhe dito, tinha causado enorme impacto. E quando ele me disse: "Pôxa, papai, se até Papai Noel sai de férias de vez em quando, por que você não pode?". Não sei dizer a razão, mas aquela frase me remoeu por dentro e transformou a minha vida.
As pessoas da platéia já começavam a olhar com um pouco mais de respeito para o entrevistado. Não esperavam uma resposta como aquela. De forma alguma. O silêncio era revelador, e só foi quebrado por uma nova pergunta.
- E como surgiu a idéia da pastelaria?
- Simplesmente aconteceu. Tinha uma bela grana guardada e vi essa pastelaria sendo vendida do lado de casa. Queria tempo para poder ficar com meu filho e achei que a pastelaria seria algo que não exigiria muito. Conversei com minha ex-esposa sobre isso, e ela achou uma boa. Queria que o Saulo participasse desde o começo. A empolgação dele era cativante. Ele me pediu para trabalhar lá comigo. Antes que eu pudesse responder, ele já antecipou que trabalharia de graça. Achava que pagar um salário para ele seria um empecilho para mim. "Estar com você já é meu pagamento", ele me disse. Nem entendeu quando eu caí em lágrimas. Não fazia a menor idéia de como essa frase eliminou qualquer dúvida sobre a decisão de abandonar tudo. A presença dele era meu combustível. Viramos unha e carne. Era delicioso ver o prazer com que servia os clientes.
Algumas pessoas no auditório já começavam a chorar. Aquela era uma senhora estória de vida. Um verdadeiro exemplo de amor incondicional.
- E é verdade que você e sua esposa voltaram a ficar juntos?
- É sim. A minha aproximação com Saulo, acabou me reaproximando da minha ex-mulher. Com o tempo, começamos a nos entender e um belo dia, quando percebemos, havíamos tido uma recaída. Ela largou o trabalho também, e passou a trabalhar na pastelaria. Foi dela a idéia de começarmos a fazer aniversários infantis regados a pastel. Ela é a mulher da minha vida. - os olhos de Odimar ficaram marejados de emoção, mas ele seguiu forte. - Voltamos como um namorico entre adolescentes e hoje estamos morando juntos de novo.
- E vocês ainda têm a pastelaria? O que estão fazendo da vida?
- Então, nós já repassamos o ponto para uma rede de drogarias. Era bastante trabalho e pouco lucro. Meu filho, em uma das festas que fizemos, conheceu um garoto de quem ficou amigo. O garoto adorava jogar tênis e o Saulo entrou na dança. Isso faz, mais ou menos, uns seis anos. Hoje, o Saulo é considerado a maior promessa do esporte no Brasil, e eu o acompanho nos torneios que disputa por todo país e América Latina. Sou uma espécie de manager. Na verdade, trabalho para ele. Hoje, meu filho é meu patrão. Dá pra acreditar? - A pergunta irônica arrancou algumas simpáticas gargalhadas do público.
- Bom, Odimar, infelizmente nosso tempo acabou, mas eu queria agradecer imensamente sua presença e parabenizá-lo pela escolha.
- Eu que agradeço o convite. Só queria dizer uma última coisa aos pais de todo nosso país: Não podemos esquecer que nosso verdadeiro sonho, são nossos filhos. E o maior presente que podemos dar a eles, é estarmos presente.
Quando Odimar se levantou, a platéia o ovacionou em pé. Ninguém mais estava rindo dele, agora, apenas riam para ele. Achavam-no um iluminado. Um exemplo. Os olhos das mulheres brilhavam com tamanha intensidade que, fosse ele solteiro, sairia casado dali.
Deixou o auditório com a platéia ainda em pé, reverenciando o homem que fez aquilo que muitos de nós queremos, mas nunca teremos coragem de fazer.
4 comentários:
Eu e meu marido fizemos. Ele vendeu a parte dele numa empresa de informática aqui em sp e fomos morar em uberlandia, para ganhar 5 vezes menos. Conseguimos ficar 2 anos lá. O tempo das férias que precisávamos para ele poder curtir filhos e família. Depois, foi contratado por uma multinacional. Viajava pelo Brasil inteiro por conta de projetos que duravam meses - por isso, íamos juntos. Hoje, estamos novamente em SP, numa vida maluca, todos nós. Mas é ele que os leva para a escola de manhã e no futebol aos sábados.
Entretanto, o primeiro passo é como ser arrancado pela raiz.
Mas, depois, vale a pena - para todos.
beijos...
Bela história de vida! fugindo dos padrões e imposições sociais rumo à verdadeira felicidade! Abraço!
Maravilhoso o relato deste cara que teve coragem de correr atrás do que era importante pra ele... uma inspiração!
Adorei!
Beijos
Ragas, muito bom, parabéns!!!
Postar um comentário