A mulher esperava impassível em cima do palco do anfiteatro, enquanto observava as pessoas se acomodando em assentos distantes umas das outras. Era interessante observar como o ser humano, em geral, comportava-se defensivamente ao adentrar um território desconhecido. Pelos seus cálculos, a palestra que daria sobre Educação na Infância e na Adolescência seria ouvida por um pouco menos da metade da capacidade total do espaço, o que era uma vitória para um domingo ensolarado como aquele. Esperou mais cinco minutos, até que pediu para um dos organizadores que trancasse a porta do anfiteatro. A partir dali, ninguém mais entrava ou saía. Arrumou o microfone postado à sua frente e começou a falar:
- Bom dia a todos! - ouviu algumas tímidas retribuições e prosseguiu - Em primeiro lugar, gostaria de agradecer imensamente a todos vocês que consideraram essa palestra interessante o suficiente para privá-los de uma manhã ensolarada como essa. - O público, na maioria mulheres que trabalhavam como educadoras ou professoras em escolas infantis, riu de leve com a veracidade do comentário feito pela palestrante.
Então, a mulher continuou:
- Meu nome é Cassiopéia Resende e sou formada em psicologia pela USP, com Pós-Graduação em Educação infantil pela PUC e MBA em Comportamento Juvenil pela Faculdade de Yenkton, em Boston, EUA. Já trabalho nessa área há alguns anos, e discutiremos muitos assuntos interessantes ao longo das próximas horas, mas gostaria de iniciar esse bate-papo falando com vocês sobre uma teoria que elaborei após ter contato com uma mãe desesperada, anos atrás. É a Teoria do Lápis e Borracha. - As pessoas fizeram cara de espanto ao ouvir o nome proferido pela Doutora, mas a concentração e o interesse estavam ainda bastante aguçados , o que fez com que ninguém se manifestasse.
- Bom, meus caros, essa mãe em questão tinha mania de sempre fazer vistas grossas para tudo que o filho fazia de errado. Desde criança. O filho fazia alguma besteira, e lá estava ela para consertar, e pior de tudo, agir como se nada tivesse acontecido. O filho fazia, ela consertava e depois esquecia. Ele escrevia, ela apagava. Ele era o lápis e ela, a borracha. Pois então, o que começou como peraltice de criança, passou a vandalismo na adolescência. As atitudes do garoto eram sempre apagadas pela mãe, dando a ele uma sensação de impunidade vista somente naqueles com algum tipo de deficiência mental. Tudo podia ser consertado. Tudo podia ser apagado, esquecido, banido para todo o sempre. Nunca sofreria com as consequências de seus atos. Más companhias, drogas, falta de senso social eram coisas presentes no dia-a-dia daquele adolescente perdido. Até o dia em que a vida cobrou dele o primeiro pedágio, e após uma noite de farra e muito álcool, o moleque inconsequente atropelou uma menina de 7 anos de idade. Ele ficou preso nas ferragens, tendo de encarar o corpo esmagado da garota imprensada contra o muro, até que fosse retirado do carro. O rapaz foi preso em flagrante, e hoje cumpre uma pena de 8 anos de prisão. E a lição principal que essa mãe teve, é que, às vezes, algumas coisas são escritas à caneta, e não podem ser apagadas. É sobre exatamente isso, muito do que eu vou falar com vocês durante o dia de hoje. - disse, finalizando sua bem-sucedida introdução.
As pessoas ficaram chocadas quando ouviram aquela estória. Quem nunca havia errado daquela maneira, talvez não tão intensamente como a mãe ali citada, mas na mesma forma que ela. Cassiopéia percebeu a platéia intrigada e sedenta por mais conhecimento ou novos causos. Queriam aprender a entender os jovens e confiavam que aquela mulher em cima do palco os ajudaria nessa jornada. O resto da palestra da psicóloga foi um estrondoso sucesso. Conhecimentos, exemplos, experiências, até confidências foram trocadas durante a palestra, que, após o coffe break, já via as pessoas sentadas umas ao lado das outras, bem próximo à palestrante.
As horas passaram como se fossem minutos, e ao final do evento, ninguém mais pensava sobre o sol que fazia no lado de fora. Quando terminou seu discurso final, Dra. Cassiopéia foi ovacionada em pé pelos quase 50 espectadores. Sentiu-se extremamente lisonjeada e feliz. Havia conseguido passar sua mensagem, e quem sabe, ajudado a plantar uma semente naquele jardim que chamamos de educação. Depois de mais alguns minutos de um bate-papo informal, a psicóloga deixou o anfiteatro, indo até a entrada da Universidade. Estava atrasada para um compromisso, e o sorriso deu lugar a um leve ar de preocupação. Não tinha ido de carro - não gostava muito de dirigir -, e não teve problema para encontrar um táxi. Quando ia entrar no automóvel, ouviu seu nome sendo chamado:
- Dra. Cassiopéia, a senhora tá indo pra onde? - era um dos poucos homens que estiveram em sua palestra. Ficou sem graça, pois nem se lembrava do nome do sujeito.
- Pro meu consultório. Tenho algumas coisas agendadas.
- Quer uma carona?
- Não precisa, meu caro. Tenho que fazer algumas coisas antes, mas lhe agradeço mesmo assim.
- Imagina. Não por isso! Até logo.
O homem se despediu entrando no Pálio preto. Cassiopéia sentou-se no banco de trás do táxi Meriva e pediu que o homem seguisse em frente.
- Para onde vamos, senhora?
- Cadeião de Pinheiros. - respondeu, sentindo logo depois os olhos do homem observá-la pelo espelhinho retrovisor.
- Bom dia a todos! - ouviu algumas tímidas retribuições e prosseguiu - Em primeiro lugar, gostaria de agradecer imensamente a todos vocês que consideraram essa palestra interessante o suficiente para privá-los de uma manhã ensolarada como essa. - O público, na maioria mulheres que trabalhavam como educadoras ou professoras em escolas infantis, riu de leve com a veracidade do comentário feito pela palestrante.
Então, a mulher continuou:
- Meu nome é Cassiopéia Resende e sou formada em psicologia pela USP, com Pós-Graduação em Educação infantil pela PUC e MBA em Comportamento Juvenil pela Faculdade de Yenkton, em Boston, EUA. Já trabalho nessa área há alguns anos, e discutiremos muitos assuntos interessantes ao longo das próximas horas, mas gostaria de iniciar esse bate-papo falando com vocês sobre uma teoria que elaborei após ter contato com uma mãe desesperada, anos atrás. É a Teoria do Lápis e Borracha. - As pessoas fizeram cara de espanto ao ouvir o nome proferido pela Doutora, mas a concentração e o interesse estavam ainda bastante aguçados , o que fez com que ninguém se manifestasse.
- Bom, meus caros, essa mãe em questão tinha mania de sempre fazer vistas grossas para tudo que o filho fazia de errado. Desde criança. O filho fazia alguma besteira, e lá estava ela para consertar, e pior de tudo, agir como se nada tivesse acontecido. O filho fazia, ela consertava e depois esquecia. Ele escrevia, ela apagava. Ele era o lápis e ela, a borracha. Pois então, o que começou como peraltice de criança, passou a vandalismo na adolescência. As atitudes do garoto eram sempre apagadas pela mãe, dando a ele uma sensação de impunidade vista somente naqueles com algum tipo de deficiência mental. Tudo podia ser consertado. Tudo podia ser apagado, esquecido, banido para todo o sempre. Nunca sofreria com as consequências de seus atos. Más companhias, drogas, falta de senso social eram coisas presentes no dia-a-dia daquele adolescente perdido. Até o dia em que a vida cobrou dele o primeiro pedágio, e após uma noite de farra e muito álcool, o moleque inconsequente atropelou uma menina de 7 anos de idade. Ele ficou preso nas ferragens, tendo de encarar o corpo esmagado da garota imprensada contra o muro, até que fosse retirado do carro. O rapaz foi preso em flagrante, e hoje cumpre uma pena de 8 anos de prisão. E a lição principal que essa mãe teve, é que, às vezes, algumas coisas são escritas à caneta, e não podem ser apagadas. É sobre exatamente isso, muito do que eu vou falar com vocês durante o dia de hoje. - disse, finalizando sua bem-sucedida introdução.
As pessoas ficaram chocadas quando ouviram aquela estória. Quem nunca havia errado daquela maneira, talvez não tão intensamente como a mãe ali citada, mas na mesma forma que ela. Cassiopéia percebeu a platéia intrigada e sedenta por mais conhecimento ou novos causos. Queriam aprender a entender os jovens e confiavam que aquela mulher em cima do palco os ajudaria nessa jornada. O resto da palestra da psicóloga foi um estrondoso sucesso. Conhecimentos, exemplos, experiências, até confidências foram trocadas durante a palestra, que, após o coffe break, já via as pessoas sentadas umas ao lado das outras, bem próximo à palestrante.
As horas passaram como se fossem minutos, e ao final do evento, ninguém mais pensava sobre o sol que fazia no lado de fora. Quando terminou seu discurso final, Dra. Cassiopéia foi ovacionada em pé pelos quase 50 espectadores. Sentiu-se extremamente lisonjeada e feliz. Havia conseguido passar sua mensagem, e quem sabe, ajudado a plantar uma semente naquele jardim que chamamos de educação. Depois de mais alguns minutos de um bate-papo informal, a psicóloga deixou o anfiteatro, indo até a entrada da Universidade. Estava atrasada para um compromisso, e o sorriso deu lugar a um leve ar de preocupação. Não tinha ido de carro - não gostava muito de dirigir -, e não teve problema para encontrar um táxi. Quando ia entrar no automóvel, ouviu seu nome sendo chamado:
- Dra. Cassiopéia, a senhora tá indo pra onde? - era um dos poucos homens que estiveram em sua palestra. Ficou sem graça, pois nem se lembrava do nome do sujeito.
- Pro meu consultório. Tenho algumas coisas agendadas.
- Quer uma carona?
- Não precisa, meu caro. Tenho que fazer algumas coisas antes, mas lhe agradeço mesmo assim.
- Imagina. Não por isso! Até logo.
O homem se despediu entrando no Pálio preto. Cassiopéia sentou-se no banco de trás do táxi Meriva e pediu que o homem seguisse em frente.
- Para onde vamos, senhora?
- Cadeião de Pinheiros. - respondeu, sentindo logo depois os olhos do homem observá-la pelo espelhinho retrovisor.
6 comentários:
Sensacional!
Gostei muito..interessante e curioso
Caro Ragas, que belo recado vc passou nesse post! Nossas crianças e jovens estão muito necessitados de orientações e limites. Mas, infelizmente, muitos pais e muitas escolas fazem vista grossa ao que acontece ao seu redor. Gostei muito do seu espaço. Obrigado pela visita. Também te adicionei. Abraço!
Olá, Ragas! Depois é que eu vi o informe sobre o livro no seu blog. Tinha registrado apenas a informação do perfil, em que vc diz que quer ser escritor. Fiquei muito feliz por vc, pois o seu texto precisa mesmo ser lido por muita gente. Vou procurar o livro. Abraço!
Se não passar de novo eu venho cobrar hein?!
Vou ter isso como uma dívida comigo...Rs*
Obrigado por prender minha atenção com o que escreve em teu blog, e olha que nem cheguei a ler "um quilo" apenas umas 100 gramas e vi que valeu!Rs*
Abraço da Mari.
já é a segunda vez que venho ler este post. sabe, uma verdade: a gente só pode dizer com segurança uma coisa que já experimentou, mesmo que seja de forma negativa. davi, meu filho, às vezes com algum problema, e eu o aconselho e ele acha que é besteira e me diz: você já passou por isso?! por sorte, a maior parte das vezes já. então ele escuta. e toma suas próprias decisões.
educar e criar filhos... não é fácil. infelizmente não tem manual.
bjs e adicionando!
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